O que Tarcísio ganha ao defender Bolsonaro de acusações de golpe no STF?

Bolsonaro e Tarcísio em selfie durante campanha política com apoiadores ao fundo

Crédito, Reprodução X

  • Author, Mariana Schreiber
  • Role, Da BBC News Brasil em Brasília

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), disse ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta sexta-feira (30/5) que nunca teve conhecimento de conversas sobre golpe de Estado envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele falou como sua testemunha de defesa no processo criminal sobre uma suposta tentativa de ruptura democrática para mantê-lo no poder após sua derrota para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022.

Ex-ministro de Bolsonaro, ele disse que visitou o então presidente cinco vezes no Palácio do Alvorada, no final de 2022, período em que planos golpistas teriam sido discutidos com autoridades do governo e comandantes das Forças Armadas, segundo a acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR).

"Jamais [tive conhecimento de intenções golpistas]. Nunca. Assim como nunca tinha acontecido no meu período de ministério", disse, segundo o portal G1, um dos veículos que acompanhou o depoimento.

"Nesse período em que estive com o presidente nessa reta final, nas visitas que eu fiz, ele jamais tocou nesse assunto e não mencionou qualquer tipo de ruptura. Encontrei um presidente triste, resignado. Esse assunto nunca veio à pauta", disse também, ao responder perguntas do advogado de Bolsonaro.

Sua fala durou menos de dez minutos. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, e o ministro do STF, Alexandre de Moraes, relator do processo, não quiseram fazer perguntas.

Para cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil, Tarcísio ser testemunha de defesa de Bolsonaro representou uma prova de lealdade a seu padrinho político, em meio à indefinição sobre quem será o candidato presidencial do campo bolsonarista em 2026.

Tarcísio é um dos principais cotados, mas ele próprio afirma publicamente que seu plano é disputar a reeleição em São Paulo, enquanto Bolsonaro insiste que será candidato em 2026, embora esteja inelegível devido a duas condenações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

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"Tarcísio me parece não ter segurança se vai ou não para a campanha presidencial, mas parece identificar o papel de Bolsonaro como chave para o sucesso desse projeto [caso o governador concorra]", nota Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria.

"Bolsonaro ainda é um nome relevante, a despeito de não ter direitos políticos. É pouco provável que uma campanha de direita competitiva exista sem, em alguma medida, um acordo com ele."

Para o cientista político Antonio Lavareda, do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), o depoimento de Tarcísio ao STF vai fortalecê-lo junto a apoiadores de Bolsonaro.

"Naturalmente, vai aumentar o cacife do atual governo Tarcísio junto ao eleitorado bolsonarista. Haverá muita visibilidade de um momento que dá uma ligação especial de solidariedade do governador ao ex-presidente", destaca.

"Do ponto de vista eleitoral, é extremamente proveitoso para o governador. Ao mesmo tempo, ele se torna, de alguma forma, credor, aumenta os créditos dele junto ao coração do Bolsonaro e de sua família", ressalta.

Manifestantes ocuam Congresso em 8 de janeiro de 2023

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Bolsonaro é réu no STF com mais sete acusados de liderar tentativa de golpe

Tarcísio visitou Bolsonaro no dia em que minuta do golpe foi debatida, segundo PF

Com o depoimento do governador de São Paulo, a defesa de Bolsonaro buscou produzir provas contra as acusações de que teria liderado uma tentativa de golpe de Estado.

Em novembro ado, quando a PF indiciou Bolsonaro, Tarcísio já havia se manifestado em sua defesa na rede social X.

"Há uma narrativa disseminada contra o presidente Jair Bolsonaro e que carece de provas. É preciso ser muito responsável sobre acusações graves como essa", disse na ocasião.

"O presidente respeitou o resultado da eleição e a posse aconteceu em plena normalidade e respeito à democracia. Que a investigação em andamento seja realizada de modo a trazer à tona a verdade dos fatos."

No final de 2022, Tarcísio já não integrava a istração Bolsonaro, porque renunciou ao cargo de ministro da Infraestrutura em março daquele ano para disputar o governo paulista com o apoio do ex-presidente.

Apesar disso, ele esteve cinco vezes com Bolsonaro no Palácio Alvorada após as eleições de 2022, período em que a ideia de golpe de Estado teria sido discutida entre Bolsonaro e outras autoridades, segundo a PGR.

No depoimento, ele contou que os encontros ocorreram nos dias 15 e 19 de novembro e 10, 14 e 15 de dezembro de 2022.

Os registros de entrada e saída do Alvoradas, levantados na investigação da PF, já mostravam que um dos encontros ocorreu em 19 de novembro, mesmo dia em que o Bolsonaro teria se reunido com Filipe Martins, seu então assessor de Assuntos Internacionais, para conversar sobre o golpe.

"A contextualização das informações prestadas pelo colaborador Mauro Cid com os dados obtidos pela investigação comprovou que o dia 19 de novembro de 2022 foi uma das datas em que ocorreu os encontros entre Filipe Martins e o então presidente Jair Bolsonaro para tratarem da minuto do golpe de Estado", diz trecho do relatório da PF, com as conclusões do inquérito.

Ao STF, Tarcísio disse não soube de conversas de golpe de Estado e que buscava nesses encontros orientação de Bolsonaro sobre seu futuro governo em São Paulo.

"Falamos também da montagem do secretariado aqui em São Paulo. E a gente sempre conversava sobre isso basicamente. O presidente sempre esteve comigo no sentido de orientar, preocupado que eu acertasse também, preocupado também em transmitir a experiência dele", afirmou, segundo o jornal Folha de S.Paulo.

O depoimento em defesa de Bolsonaro veio dentro da expectativa dos analistas políticos. Para Rafael Cortez, o governador não precisaria fazer uma "defesa enfática" para reforçar sua ligação com Bolsonaro.

"Obviamente, quando ele aceitou o custo de ser testemunha de defesa, já está havendo uma ligação política entre ambos. O benefício eventual da fidelidade já está dado. Ou seja, ele não precisa adicionar uma defesa enfática, sob pena de comprar briga com o Supremo Tribunal Federal", diz Cortez.

Tarcísio com aspecto cabisbaixo ao lado de Bolsonaro, em um caminhão de som

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Insistência de Bolsonaro em se colocar como candidato mesmo inelegível dificulta possível candidatura de Tarcísio

Obstáculos na disputa pelo Palácio do Planalto

Os analistas entrevistados consideram que a direita será competitiva na disputa de 2026, se o atual cenário de baixa aprovação do governo Lula se mantiver.

Apesar de o nome de Tarcísio ser fortemente cotado como concorrente ao Palácio do Planalto, eles veem alguns desafios para sua candidatura se concretizar.

O principal deles é a insistência de Bolsonaro em se colocar como candidato, mesmo estando inelegível. Lançar uma pré-candidatura presidencial nesse cenário é assumir o risco de perder o apoio do ex-presidente mais à frente, nota Cortez.

A questão é mais complexa no caso do governador de São Paulo, porque ele teria que renunciar ao governo paulista seis meses antes da eleição para poder concorrer.

Para Cortez, sua decisão teria que ser tomada ainda antes disso, pois, caso opte por disputar à Presidência, vai precisar planejar e articular politicamente quem seria candidato ao Palácio dos Bandeirantes no seu lugar.

Outro ponto é que o cenário atual indica uma reeleição fácil de Tarcísio para um segundo mandato em São Paulo, aumentando o custo de renunciar para enfrentar uma disputa mais incerta pelo comando do governo federal.

Para Antônio Lavareda, Tarcísio só poderá se viabilizar como candidato se sua candidatura ao Planalto for definida até dezembro. "Será que Bolsonaro vai dar esse presente de Natal para ele");