Por que cidades com tarifa zero triplicaram e proposta avança entre candidatos da direita

Ônibus vermelho com letreiro de "Tarifa zero" em Maricá, no Rio de Janeiro

Crédito, Divulgação/Prefeitura de Maricá

Legenda da foto, Em 2024, mais de 600 programas de candidatos às prefeituras citam os termos 'tarifa zero' ou 'e livre', segundo levantamento da Unicamp e Uerj
  • Author, Thais Carrança
  • Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
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"Uma bandeira, às vezes, coloca uma utopia, mas que indica um problema que é o peso do transporte no bolso do trabalhador."

"Utopia" foi o termo usado pelo então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT) — hoje ministro da Fazenda —, para classificar a tarifa zero, política de gratuidade no transporte coletivo.

A declaração foi feita em entrevista à Folha de S.Paulo, em junho de 2013, em meio à onda de protestos deflagrada pelo Movimento e Livre (MPL) contra o aumento da agem de ônibus naquele ano.

Pouco mais de dez anos depois, 675 programas de governo de candidatos às Prefeituras nas eleições de 2024 citam os termos "tarifa zero" ou "e livre", segundo levantamento do projeto Vota Aí, uma parceria entre o Centro de Estudos de Opinião Pública da Universidade Estadual de Campinas (Cesop/Unicamp) e o Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e Opinião Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Doxa/Uerj).

O número praticamente dobrou em relação a 2016, quando 384 candidatos citavam a gratuidade no transporte entre suas propostas. Em 2020, foram 434 menções.

Tarifa Zero está na pauta das eleições municipais. Citações a 'tarifa zero' ou 'e livre' em programas de governo de candidatos às prefeituras.  .

A presença crescente da tarifa zero na pauta das eleições municipais acompanha o avanço dessa política nos municípios.

Até setembro de 2024, 136 cidades brasileiras já adotavam a tarifa zero, segundo levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU).

Em 116 delas, a gratuidade no transporte abrange todo o sistema, todos os dias da semana.

Nas outras 20, há tarifa zero em dias específicos, ou para beneficiários, linhas e bairros determinados.

O avanço da tarifa zero no país ganhou fôlego após a pandemia: até 2020, eram 42 cidades com e livre no Brasil. Desde 2021, outras 94 implementaram a gratuidade — ou seja, o número mais do que triplicou em quatro anos.

Ao menos seis capitais já adotam a política, ainda que de forma parcial: Belo Horizonte (MG), Florianópolis (SC), Maceió (AL), Palmas (TO), São Luís (MA) e São Paulo (SP).

"Para quem dizia que a tarifa zero era algo irrealizável, que era uma proposta de moleque, uma bobagem juvenil de quem só queria fazer baderna, hoje fica claro que essas pessoas estavam erradas", diz Paique Duques Santarém, antropólogo, urbanista e militante do MPL desde sua fundação.

Divulgação/PMSP
Tarifa Zero avança

Cidades brasileiras com gratuidade no transporte coletivo

  • 136municípios possuem tarifa zero

  • 116deles têm tarifa zero em todo o sistema, todos os dias da semana

    Fonte: NTU, setembro de 2024.

    Proposta avança entre candidatos da direita

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    Desde 2009, a lei obriga os candidatos ao Executivo municipal a registrarem seus programas de governo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

    O levantamento do projeto Vota Aí foi feito a partir destes documentos, de forma automatizada, com a coleta de informações que constam nos programas.

    Nara Salles, coordenadora do projeto, avalia que o crescimento do número de programas que citam a tarifa zero é significativo, principalmente considerando que não são todos os municípios brasileiros que têm transporte coletivo.

    Segundo a NTU, no Brasil, 2.703 municípios são atendidos por serviços organizados de transporte público (49% do total de 5.570 municípios).

    "O número de citações à tarifa zero nos programas de governo vem aumentando ao longo dos anos pelo destaque que o tema vem recebendo, o que tem a ver com uma demanda da população, mas também com as experiências que têm sido implementadas nos últimos anos", diz Salles.

    A pesquisadora destaca ainda que a proposta era antes mais presente entre candidatos de partidos de esquerda

    "Nas eleições de 2016 e 2020, PSOL, PT e PSTU capitalizavam o maior número dessas propostas no Brasil, representando mais de 50% do total", afirma.

    Agora, o tema avança também entre partidos de direita e centro-direita, observa a pesquisadora.

    "Em 2024, PT e PSOL continuam sendo os partidos que mais trazem essas propostas em seus programas de governo, mas outros ganham espaço, como PL, MDB, PSD e outros."

    Tarifa zero nas eleições vai da esquerda à direita. Os dez partidos com mais citações a 'tarifa zero' em programas de governo de candidatos às prefeituras em 2024.  .

    De proposta do PT à crise do transporte

    A tarifa zero ou e livre é uma política pública que prevê o uso do transporte coletivo sem cobrança de tarifa do cidadão.

    Nesse modelo, o sistema é financiado pelo orçamento do município, com fontes de recursos que variam, a partir do desenho adotado por cada cidade.

    O modelo foi proposto pela primeira vez quando Luiza Erundina, então no PT, estava à frente da Prefeitura de São Paulo (1989-1993).

    Quem primeiro teve a ideia foi o engenheiro Lúcio Gregori, à época secretário municipal dos Transportes.

    Gregori recorda que a inspiração veio de sua experiência, no início do mandato de Erundina, como secretário de Serviços e Obras, área então responsável pela gestão do lixo da cidade.

    "Como todos sabem, quando o lixeiro a em casa, você não paga nada; simplesmente ele recolhe o lixo, e isso é coberto por uma taxa chamada taxa de lixo ou por uma parte do IPTU que cobre esses gastos", disse o engenheiro, em entrevista publicada em junho pela Fundação Rosa Luxemburgo.

    "Quando me tornei secretário de Transportes, um certo dia, vendo as filas gigantescas e as dificuldades do transporte coletivo, pensei: 'Por que não fazemos o mesmo que fazemos com a coleta de lixo");