O que é sionismo — e como seu 'criador' imaginou (e negociou) o Estado de Israel

Crédito, Universal History Archive/Universal Images Group via Getty Images
- Author, Vinícius Mendes
- Role, De São Paulo para a BBC News Brasil
Quando as primeiras 300 cópias de O Estado Judeu (Der Judenstaat) começaram a ser distribuídas pelas ruas de Viena, capital do então Império Austro-Húngaro, em 1896, nem a editora nem o seu autor, o advogado, dramaturgo e jornalista Theodor Herzl, acreditavam que ele seria lido por muita gente.
A obra expressava a visão — já existente havia anos — de que a criação de um Estado nacional judaico seria a solução para o crescente antissemitismo na Europa. Ele defendia a ideia em contraposição à defesa da assimilação dos judeus nos países em que se encontravam, como a Rússia, Polônia, Alemanha ou França, por exemplo.
Herzl chegou a ver, no fim da sua vida, o livro dar origem ao movimento sionista moderno, tal como queria. Mas não chegou a testemunhar seu principal objetivo alcançado — a criação de um Estado de Israel. Isso representou o que os judeus chamam de retorno e os palestinos, de tragédia (nakba).
Hoje, mais de um ano e meio após o início da guerra em Gaza, as discussões sobre a origem e o caráter do sionismo continuam gerando debates e disputas políticas em vários países.
O confronto em Gaza foi iniciado após o ataque do grupo palestino Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023 que deixou mais de 1.200 mortos, a maioria civis, além de 251 levadas para o território palestino como reféns. A dura resposta israelense, com uma ampla campanha militar contra o Hamas, deixou mais de 50 mil palestinos mortos até agora — também civis em sua maioria —, segundo o Ministério da Saúde controlado pelo grupo palestino.

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As leituras sobre Herzl
A guerra, porém, trouxe à tona novamente as várias possibilidades de entender o papel de Herzl, morto em 1904, na História.
Apoiadores do governo de direita de Benjamin Netanyahu, que se opõem à criação de um Estado palestino, veem Herzl como pai de um sionismo fortemente nacionalista.
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Para eles, o jornalista estabeleceu as bases do retorno à Terra Prometida de acordo com o relato bíblico. Não foi à toa que, quando Israel foi fundado, em 1948, foi Herzl quem recebeu uma menção inequívoca na Declaração de Independência, além de ser reconhecido, naquela ocasião, como "pai espiritual" do Estado judeu.
Para Bruno Huberman, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), essa é a faceta mais relevante do livro — assim como a mais atual no contexto da guerra com o Hamas. "A imaginação de Herzl sempre foi de um Estado puramente judeu, consequência da sua inspiração no nacionalismo alemão da sua época, que era profundamente culturalista", diz ele.
"A existência de um Estado pluriétnico, como o Brasil, os EUA, a África do Sul, é impensável desde o dia um do sionismo. E é isso que virou a nakba [tragédia, em árabe], a expulsão dos palestinos do território e, agora, esse conflito", completa Huberman.
Outros grupos o veem, ao contrário, como idealizador de um sionismo tolerante que foi abandonado no meio do caminho. Para estes, Herzl inclusive estipulou as bases da solução dos dois Estados, como proposto pelo plano de partição aprovado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1947, antes da fundação de Israel, e rejeitado pelos palestinos à época. É a leitura do historiador Michel Gherman, que leciona no Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
"Ele [Herzl] é um ótimo exemplo de uma 'arquitetura de memória'. Foi arquitetado para ser o fundador de Israel com base em uma ideia de organização, de neutralidade, como alguém que se identifica com todas as correntes. Os antissionistas usam a imagem dele hoje para depreciar o sionismo", analisa.
Já para árabes e palestinos, Herzl é um dos principais responsáveis pela nakba, como eles chamam a criação de Israel com a consequente expulsão e fuga de cerca de 700 mil pessoas da região à época.
"Ele tinha o mesmo discurso colonizador que os países da Europa Ocidental da época. Não foi à toa que vislumbrou um Estado de Israel a partir da imagem dos Estados europeus", explica Gilbert Achcar, libanês, professor na Escola de Estudos Orientais e Africanos (SOAS, na sigla em inglês) da Universidade de Londres, no Reino Unido.
"A ideia de construir um Estado para os judeus em uma terra habitada por outras pessoas significava encontrar um jeito de lidar com elas", diz ele.

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'A questão judaica'
Muitos historiadores, como o alemão Alex Bein e o britânico Simon Sebag Montefiore (ambos judeus), por exemplo, reforçam que o objetivo de Theodor Herzl com seu livro não parecia ser, de fato, um sucesso editorial, mas fazê-lo chegar em mãos poderosas da Europa. Não foi à toa que ele escreveu uma frase mais apelativa na capa do manuscrito original, impresso e publicado em fevereiro de 1896 em Viena e em Leipzig, hoje cidade alemã: "proposta de uma solução moderna para a questão judaica".
"'Questão judaica' era a síntese da pergunta: o que fazer com os judeus");